UM DIA NA LAVAGEM DO BONFIM
O mês era Janeiro, pleno verão
baiano e o dia era o da Lavagem do Bonfim, festa religiosa tradicional dos soteropolitanos.
Quem conhece bem a festa e os
baianos, sabe que o dia é pra lá de especial, paira no ar uma energia inexplicável.
Éramos um grupo de mais ou menos
seis adolescentes, bancários, aprendizes em um Banco Federal, que funcionava
numa Avenida localizada no Centro Comercial de Salvador. E como de praxe,
todos os anos às 10h, quando o cortejo
passava, descia todo mundo para assistir.
Foto: G1 Globo .com
Foto: Ibahia
Aproveitávamos a hora de almoço e só
retornávamos ao meio dia, com a alma lavada e o espírito radiante, era muito bom!
Naquele ano aconteceu um fato
novo. Foi permitida a presença de trios elétricos no cortejo e nós não
sabíamos. E sabe como é, baiano que se
preza e adora carnaval, não pode ver um trio elétrico que fica doido.
A festa rolando e a gente já se
preparando para almoçar e voltar pro Banco, quando de repente aparece o trio
elétrico do Chiclete com Banana. A Banda ainda não era tão famosa, mas já se
destacava das demais, e quando passava fazia valer as palavras de Caetano que "atrás do
trio elétrico, só não vai quem já morreu”, e foi o que aconteceu, numa cruzada
rápida de olhares cheios de cumplicidade, decidimos ir atrás do trio, “só um bocadinho”! E foi o que fizemos.
Naquele dia, apesar de ninguém
ter bebido, pois além de muito jovens, estávamos trabalhando, a sensação era de
uma embriaguez de alegria e felicidade. Aquele ato de rebeldia, deu um gostinho especial àquele momento. Era inimaginável, em plena quinta-feira, um
funcionário do Banco, em horário de trabalho, de farda... desertar do ofício, pra correr atrás de um
trio. Mas foi o que aconteceu!
Bem, algumas horas se passaram e
a gente só se deu conta quando, já no Bonfim, estourou uma briga em uma das
barracas. O detalhe é que o nosso horário era das 12h às 18h e o relógio marcava 17h!
Graças ao nosso amigo Chiquinho,
o menos irresponsável do grupo, pegamos um táxi de volta para o Banco.
Cansados, descabelados, com os rabos entre as pernas, mas implodindo de
felicidade, chegamos na portaria do Banco e
pedimos a um oficce boy, que era nosso amigo, que pegasse as nossas coisas
(bolsas, livros etc.) discretamente,
sem que os respectivos chefes soubessem. Aquela altura dos acontecimentos,
íamos dizer o que?
No dia seguinte, eu e uma amiga, cheias de vergonha (mas não arrependidas), contamos a verdade
para o chefe, que apesar de rigoroso, porém consciente de que também um dia foi jovem, depois de um
longo sermão, nos deu a chance de usar uma folga. Esse foi o jeito acertado para não ganharmos falta.
Com relação aos outros, não lembro bem o que
aconteceu, mas no final deu tudo certo, pois, hoje, quando a gente se encontra
pra falar dos velhos tempos, sempre lembramos
dessa história e nos divertimos muito!
Foto: Soteropoli
Nota - A lavagem das Escadarias do Bonfim é uma grande manifestação popular, que se repete desde 1754, sempre numa quinta-feira de janeiro.
O ritual reúne milhares de pessoas, que às 10h se concentram em frente à igreja da Conceição da Praia. É comandado por baianas em seu trajes típicos (turbantes, saias engomadas, braceletes e colares), que levam seus vasos de flores com água de cheiro. Logo atrás, vem o bloco filhos de Gandhi e uma multidão de fiéis, transformando a Avenida num verdadeiro tapete branco! Nesse dia, a palavra de ordem é usar "branco".
Apesar de ter me divertido muito naquele ano, a novidade de trios elétricos na lavagem do Bonfim não durou muito tempo, por descaracterizar o cortejo, o que eu concordo plenamente!
Rosa
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