Sou leitora de Cecília Meireles desde os tempos de infância. Ela sem dúvida encabeça a minha lista de escritores prediletos.
O texto abaixo me trás a lembrança de uma época muito boa quando estudei no Colégio Santa Ângela das Mercês.
Como toda escola de freiras, era de uma extrema organização, muito rigor na figura da irmã Adelaide, e o ensino de primeira. Quem passa na frente do colégio, não imagina a beleza que existe por trás daquelas paredes cinzentas: o jardim impecável com parque infantil, a imensa quadra para as aulas de recreação, a capela onde tínhamos atividades religiosas, a cantina, o auditório. Aquele salão imenso com tábuas corridas caprichosamente enceradas dava uma maravilhosa sensação de paz... Belas lembranças!
A ARTE DE SER FELIZ
Cecília Meireles
HOUVE um tempo em que a minha janela
se abria para um chalé. Na ponta do chalé brilhava um grande ovo de louça azul.
Nesse ovo costumava pousar um pombo branco. Ora, nos
dias límpidos, quando o céu ficava da mesma cor do ovo de louça, o pombo parecia pousado no ar. Eu era criança, achava essa ilusão maravilhosa e sentia-me completamente feliz.
dias límpidos, quando o céu ficava da mesma cor do ovo de louça, o pombo parecia pousado no ar. Eu era criança, achava essa ilusão maravilhosa e sentia-me completamente feliz.
HOUVE um tempo em que a minha
janela dava para um canal. No canal oscilava um barco. Um barco carregado de
flores. Para onde iam aquelas flores? Quem as comprava? Em que jarra, em que
sala, diante de quem brilhariam, na sua breve existência? E que mãos as tinham
criado? E que pessoas iam sorrir de alegria ao recebê-las? Eu não era mais
criança, porém a minha alma ficava completamente feliz.
HOUVE um tempo em que minha janela se
abria para um terreiro, onde uma vasta mangueira alargava sua copa redonda. À
sombra da árvore, numa esteira, passava quase todo o dia sentada uma mulher,
cercada de crianças. E contava histórias. Eu não podia ouvir, da altura da
janela; e mesmo que a ouvisse, não a entenderia, porque isso foi muito longe,
num idioma difícil. Mas as crianças tinham tal expressão no rosto, a às vezes
faziam com as mãos arabescos tão compreensíveis, que eu participava do
auditório, imaginava os assuntos e suas peripécias e me sentia completamente
feliz.
HOUVE um tempo em que a minha janela
se abria sobre uma cidade que parecia feita de giz. Perto da janela havia um
pequeno jardim seco. Era uma época de estiagem, de terra esfarelada, e o jardim
parecia morto. Mas todas as manhãs vinha um pobre homem com um balde e em
silêncio, ia atirando com a mão umas gotas de água sobre as plantas. Não era
uma regra: era uma espécie de aspersão ritual, para que o jardim não morresse.
E eu olhava para as plantas, para o homem, para as gotas de água que caíam de
seus dedos magros e meu coração ficava completamente feliz.
MAS, quando falo dessas pequenas
felicidades certas, que estão diante de cada janela, uns dizem que essas coisas
não existem, outros que só existem diante das minhas janelas e outros,
finalmente, que é preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim.
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