quarta-feira, 3 de julho de 2013

CULTURA - As aparências enganam



Tenho um  amigo que desde os tempos de escola sempre  se destacou do grupo pelo sua genialidade. Tinha um QI acima da média e tudo que ele se propunha fazer era muito bem feito.
Hoje é um grande arquiteto, mas quando estudou na Universidade Federal da Bahia, se embaraçou com a disciplina cálculo 1 no curso de arquitetura.

 
Era um  bloqueio, dizia. Ia bem em todas as matérias, não entendia tanta dificuldade.
Até o lado  psicológico era estrategicamente preparado da seguinte forma: na véspera da  tal prova, acendia velas para todos os santos, fazia oferendas para Iemanjá, preces para Nossa Senhora Desatadora dos Nós, e como se não bastasse tudo isso, ele que era avesso  a carnaval, se humilhou perante os amigos, dizendo que se ficasse livre da matéria e consequentemente daquele odiado professor,  dançaria  axé vestido de muquirana, em pleno domingo de carnaval  na praça Castro Alves.

 
Para seu azar, ou quem sabe sua  sorte, nada deu certo!  No auge do desespero fez uma  última promessa ao Senhor do Bomfim, (em Salvador é assim, quando a coisa fica muito preta e parece não ter solução, a gente apela pra ele) iria da Ilha de Itaparica até a Igreja do Bomfim nadando, acreditem, nadando!
Um colega de turma  vendo o total desespero desse meu amigo e sabendo que ele jamais conseguiria chegar vivo até a Igreja do Bomfim, pois não tinha preparo físico para tal façanha, resolveu lhe dar uma mãozinha.
- Olha, anota esse endereço e procura a professora  Bia,  acho que só ela poderá resolver o seu problema.  Aproveita e desfaça a promessa pra não ficar em dívida com o santo.


Diante dessa tábua de salvação, meu amigo não hesitou.  Deixou a promessa pra trás e foi correndo conhecer a  professora Bia.
Chegando na Mouraraia, procurou o número da casa, tocou a campanhia e quem atendeu foi um garoto aparentando uns dez anos.
- Por favor, quero falar com D. Bia, ela está? Prontamente o garoto respondeu que sim e foi chamar a professora.
Para espanto do  meu amigo, diante dele apareceu uma senhora de meia idade, vestindo um roupão de algodãozinho floral,   a cabeça cheia de imensos bobs, uma criança de uns 02 anos de idade trepada em sua cintura  e mamadeira em uma das mãos.
Ele já desanimado e achando que  o colega havia lhe passado um trote, disse: - desculpe senhora, acho que me enganei, estava a procura de uma professora de banca de matemática. Prontamente ela respondeu: - não é engano não meu filho, pode entrar, a professora sou eu.


Desconfiado, ele entrou e observou que na casa havia algumas crianças de idades variadas e adultos também. Todos espalhados pela casa: era na sala de jantar, na cozinha, na varanda, no quintal, enfim, parecia uma escola que aos olhos de hoje poderia ser dita como moderna. E intuitivamente era.
 
 
Ainda incrédulo, ele arrumava o seu material na mesa e ao mesmo tempo fazia o reconhecimento do lugar. Ela por sua vez passava um exercício pra um rapaz que estava ao lado do meu amigo. Tratava-se  de um aluno de pós-graduação. E foi aí que  ele  descobriu que Bia não era professora apenas de matemática,  ensinava várias disciplinas, e em meio aquela aparente desorganização, era de uma competência extraordinária!
 
Com três semanas de aulas, ele já estava todo animado, parecia criança no jardim de infância: tudo parecia-lhe novo, colorido,  divertido! Aquele bicho papão que ao longo da vida  lhe perseguiu através de professores despreparados, tinha desaparecido completamente da sua vida  como num passe de mágica. A simplicidade nas palavras e a a postura daquela humilde professora, estavam  abrindo caminhos em sua mente, que até então pareciam bloqueados.
 
Já entrosado, peguntou  a professora por que  não dava aulas  em uma escola formal, e ela  prontamente respondeu-lhe  que não estava valendo a pena pela baixa remuneração, sem falar que precisaria  de alguém para  cuidar do sobrinho de 02 anos, e  que certamente ficaria com a metade do seu salário. Concluiu que dar aulas em casa, era a melhor solução.

Bem, após três meses de muita matemática, o meu amigo não só brilhou na prova alcançando a nota máxima, como criou uma intimidade com os números de fazer inveja a Osvaldo de Souza e  ainda se livrou de frequentar a cadeira de cálculo l pela quarta vez.
O problema com a matemática não está no aluno, e sim nos professores, concluiu.
 
Durante um bom  tempo, continuou obtendo notícias da professora, através dos colegas que ele indicava. Saíram de lá  administradores de empresas, engenheiros, arquitetos, dentistas, médicos, enfim, uma quantidade enorme de alunos que a nossa obsoleta escola não conseguia compreender.


Rosa D'el Rei
 

Nota:
É provável que a professora Bia  ainda esteja dando aulas até hoje, mas sem o garotinho, esse cresceu e  se soube aproveitar a oportunidade, deve estar bem encaminhado na vida.
 
muquirana - No texto, se refere a um famoso bloco carnavalesco de salvador composto somente por homens travestidos de mulheres.
 





 

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