A cada dia fico mais convencida de que não criamos nada, tudo está a nossa disposição no universo e a nós cabe somente a sensibilidade e disposição para sermos intermediários entre esse tudo e o mundo que nos rodeia.
Vai de um simples artigo como esse que escrevo, uma bela canção ou até mesmo as grandes descobertas saídas do "acaso".
Hoje mesmo aconteceu algo interessante: estava me preparando para ler o livro 1968 de Zuenir Ventura, mas o caos estava instalado na minha casa, pois era o tão necessário e fatídico dia da faxina.
O único local onde poderia ter um pouco de paz, seria no meu quarto, onde concluí que não havia uma cadeira confortável, apenas uma rede na varanda. Nessa hora senti a falta de uma velha cadeira de balanço onde costumava amamentar meus filhos e que passei adiante quando mudei para a nova casa.
Foi aí que me chamou atenção o fato de não gostar de dormir, sentar ou relaxar em redes. Adoro esse mobiliário do cotidiano nordestino, mas apenas como objeto de decoração. Dormir ou relaxar em rede me provoca um tremendo mal estar: sinto preguiça, indisposição a cabeça fica pesada e a sensação de cansaço toma conta do meu corpo. Me questionei como o Ceará é um grande exportador de redes e quando se fala no assunto, ela está sempre associada a folclórica preguiça baiana. Quem nunca viu a imagem de um baiano deitado em uma rede e com um coco na mão?
Diante do questionamento, pensei em escrever um texto sobre o tema após a leitura do livro.
Enquanto a faxina rolava no meu quarto, resolvi dá uma olhada no facebook e me deparei com um belo artigo enviado por um amigo a respeito do mito da preguiça baiana. Ao ler o texto tive uma bela surpresa: o nosso saudoso Dorival Caymmi em 1957 fez um comercial de rum, onde aparecia tocando violão aboletado numa rede.O interessante é que segundo a sua neta Stella Caymmi, o grande artista baiano nunca gostou de redes, apreciava sim, cadeiras de balanço.
Fala-se que ela é mais antiga do que a gente imagina, mas o seu reconhecimento mesmo aconteceu através da carta de Pero Vaz de Caminha quando os portugueses aportaram em Porto Seguro e o uso da rede em lugar de cama, foi adotado pelos colonizadores como o meio mais confortável para dormir em dias quentes.
No século XVIII as mulheres eram carregadas por escravos em cadeiras com formato de redes, além de doentes e feridos.
Já na década de 60 durante a guerra civil americana, a exportação de algodão ficou interrompida e o Brasil passou a ser um grande produtor de algodão e aí se deu o início da industrialização quando surgiram as fábricas de redes no nordeste.
Em áreas rurais do país principalmente no nordeste, em populações mais pobres com famílias numerosas, as camas eram trocadas por redes, essa era a forma de minimizar o calor e aproveitar melhor os espaços das pequenas casas.
A rede também tinha e talvez ainda tenha grande utilidade nos funerais dos sertões nordestino e no norte do país. Dois homens passam uma vara por dentro da rede, passos ritmados, rezas e canções, carregam no ombro o morto que enfim vai ter a parte da terra que lhe cabe. Essa cena comovente pode ser vista no musical Morte e Vida Severina, produzido pela TV Globo em 1981, com Tânia Alves, Zé Dumont e Elba Ramalho, versos de João Cabral de Melo Neto e música de Chico Buarque.
Enfim, o uso da rede vai muito além de símbolo da folclórica preguiça baiana.